AS QUATRO ESTAÇÕES DO CASAMENTO - Parte 6

PARTE 2
2.2.1 – Um sentimento de vazio emocional difuso. É interessante que todos sabemos que a lua-de-mel não vai durar para sempre, e é impossível que dure mesmo. Mas, o que deve chamar nossa atenção, é que, no início da vida conjugal, os sonhos e a paixão dão conta de encher nosso tanque do combustível emocional. Com o passar do tempo, e o tempo passa para todos os casais, as emoções típicas da paixão vão se esvaindo e nosso tanque de combustível emocional vai caminhando para a reserva. Começa então a aparecer uma certa tristeza, quase indefinida, difusa. Sabemos que o amor existe, mas parece estar vazio de significado emocional. Amamos, mas também sabemos que houve uma mudança. De certa forma o casal sabe que está com um problema, mas não tem exatamente a consciência do que está acontecendo.
É claro que a paixão é importante; sem paixão ninguém casa. Sonhos alimentam todos os jovens casais; é muito bom que seja assim. Todavia, nosso problema não é esse. Nosso problema é que o tanque emocional da vida a dois precisa, com o passar dos anos, ser completo por outro tipo de combustível. Paixão e sonhos precisam dar lugar a novos sentimentos e atitudes, como cumplicidade, amizade, compromisso, diálogo e vida com Deus. Quando estas coisas não acontecem, o painel do casamento avisa que o tanque emocional está esvaziando e, se não entendermos os sinais das folhas caindo, anunciando outra estação que chegou e avisando sobre o frio que se aproxima, podemos até sucumbir diante de vários tipos de erros que podem prejudicar o casamento.
Dentre estes vários tipos de erros que podemos cair na estação do outono, três, em minha opinião, são mais corriqueiramente cometidos por casais que estão passando por isto que estou chamando de sentimento de vazio emocional difuso.
O primeiro é achar que algo errado está acontecendo quando há um declínio da paixão, quando o fogo começa a diminuir. Já afirmei o quanto acredito que a paixão seja importante, mas seu declínio, por si só, ou seja, a diminuição da paixão “em si”, não será suficientemente prejudicial ao relacionamento conjugal se, perceba a condicional, “se” juntamente com o declínio da paixão aparecer o aumento de outros valores também importantes para a vida a dois. Sai uma coisa, entra outra no lugar... Precisamos entender que “nem só de paixão viverá o homem, mas de todos os outros valores que podem nascer numa relação”. Entendendo que o casamento também é feito de outras coisas, que a vida a dois é complementada, suprindo o declínio da paixão por outros valores, atitudes e sentimentos, e entendendo que neste declínio não há nada de errado, sustentamos um casamento feliz.
Freud, ao discorrer sobre o amor, faz uma distinção clara entre o amor sensual, sexual, cuja ênfase está na gratificação física, do amor companheirismo, caracterizado pela ternura. Ainda que a paixão possa durar muitos anos, sua tendência é diminuir à medida que a ternura, marca principal do amor conjugal, amadurecer junto com cônjuges através dos anos de convivência. O ideal do amor romântico, com o fogo da paixão tomando conta de todos os momentos e encontros do casal, é uma ilusão alimentada pelas produções literárias ou hollywoodianas de terceira categoria. A mulher que acreditar neste ideal é porque encheu sua mente com romances sentimentais; o homem que acreditar neste ideal é um eterno adolescente que, provavelmente, assistiu muita “sessão da tarde” durante as férias. O resultado será um casamento com gosto de frustração e o outono deixará de ser uma fase com a tendência de se perpetuar como marca da relação.
Em segundo lugar, outro erro que as pessoas cometem ao sentirem a diminuição da paixão, é um gosto nostálgico, quase mórbido pelo passado. Existem pessoas que vivem infelizes no presente porque não conseguem se desprender do passado. Que bom quando um casal tem um bom passado para recordar. Só não podemos esquecer que, no casamento, o dia mais importante é o dia de hoje. Ontem foi bom, mas o passado está no campo das recordações. Amanhã poderá ser bom, mas o futuro está no campo da hipótese, o amanhã, embora possa ser um bom investimento, ainda não existe. Hoje, com base nas decisões, escolhas e atitudes é o dia mais importante para o meu casamento. Casais que vivem no passado esqueceram que o casamento é uma construção diária e contínua. Muito cuidado com essa conversa “ah como o namoro era bom”, ou então “como era bom o começo do nosso casamento”; devemos tomar cuidado, especialmente, se isto representar algum tipo de descontentamento com o presente, ou ainda algum tipo de esquecimento que o amor é um caminho, uma caminhada a dois, sempre para frente. O “amor é o caminho sobremodo excelente”. O amor esteve na partida e poderá estar na chegada de um relacionamento, mas, principalmente, o amor bíblico é a caminhada, é o momento presente, é o dia de hoje.
E, por fim, em terceiro lugar, outro erro cometido por pessoas que não estão conseguindo amadurecer e lidar com este sentimento de vazio emocional difuso, é a tentativa de reviver a paixão do passado com outra pessoa, ou seja, as pessoas que não entenderem que o outono é uma estação que exige mudanças, que não entenderam que as folhas caíram a fim de que na próxima primavera flores novas possam nascer, poderão elas, tal qual as folhas no outono, caírem na ilusão de que em um outro relacionamento, com uma nova pessoa, será possível encontrar uma paixão duradoura. Num extremo, este é o relacionamento tipificado naquelas pessoas com um histórico de várias separações e vários relacionamentos infelizes. Não se iluda, não tenha inveja de quem se apresenta dentro de um novo relacionamento como se fosse a pessoa mais feliz do mundo. Sua felicidade é só aparência. Pessoas que não conseguem amadurecer, pessoas com um histórico de solução de problemas via rompimento, no geral, são pessoas muito infelizes porque nunca conseguem atingir uma conexão de alma satisfatória.
É um circulo vicioso maldito no qual a pessoa não consegue aceitar que as paixões naturalmente arrefecem. A pessoa iludida com a paixão não consegue encher seu tanque emocional com amizade e cumplicidade, seu motor não é Flex... Então, procura encher seu tanque com um combustível do mesmo tipo, outra paixão, que, com o tempo, vai esvaziar-se novamente, precisando de amizade e cumplicidade. Mas, o círculo vicioso se repete: ao invés de amadurecer na relação, a pessoa procura novamente uma outra paixão, repetindo este movimento várias vezes e perpetuando assim o sentimento de vazio e infelicidade... São pessoas emocionalmente inquietas, sempre em desassossego de alma pela busca da paixão perdida. (Brincar) Vão se transformando num Fábio Júnior (fazer um dueto com o Léo e cantar: “agente nem liga pra hora, passa dia e noite assim, o amor não tem que ser uma história com princípio, meio e fim...”; ele, o Fábio Júnior, não sabe o que ele canta...), ou Chico Anysio da vida, ou, então, na mulher samaritana que Jesus encontrou no poço: “Chame seu marido, disse Jesus. Respondeu ela: não tenho marido. Disseste bem, respondeu Jesus. O fato é que você já teve cinco maridos; e o homem com que você vive agora não é seu marido.” (João 4: 16-17).
Sabe qual é o problema das pessoas que ficaram presas nas experiências da paixão? O problema não é a paixão, é claro! O problema é que, por algum motivo, elas não amadureceram para novas experiências, não amadureceram para novas descobertas, não caminharam para a primavera e o verão. Ficaram encapsuladas num estágio adolescente de amor romântico. “Há três coisas que são maravilhosas demais para mim, sim, há quatro que não entendo: o caminho da águia no céu, o caminho da cobra na penha, o caminho do navio no mar e o caminho do homem com uma donzela.” (Pv. 30:18-19). Irmãos sabem o que a sabedoria bíblica está nos ensinando aqui em Provérbios de Salomão? Irmãos, sabem o que significam estes versos? Eu não tenho a menor idéia... Só acho que existem coisas misteriosas e profundas demais no relacionamento de um homem e uma mulher. Estas coisas vão para além da paixão e só o caminho, ou seja, a jornada, o tempo, o amadurecimento vão ajudar os cônjuges a desvendar estes mistérios e experimentar coisas maravilhosas.
Bertrand Russel (1872-1970), filósofo inglês que se formou em matemática e era conhecido por afirmar uma corrente filosófica chamada de realismo, note, por favor, a corrente dele chamava-se “realismo”, escreveu em sua autobiografia, num tom quase poético, palavras que, creio eu, podem ilustrar acerca do amadurecimento do amor:
“Procurei o amor, primeiro porque ele traz o êxtase – um êxtase tão imenso que muitas vezes eu teria sacrificado o resto de minha vida por algumas horas deste prazer. Procurei-o depois porque alivia a solidão, aquela terrível solidão, onde o consciente, trêmulo e frio, olha por sobre a borda do mundo para o abismo insondável. Eu o procurei, finalmente, porque vi na união amorosa, numa miniatura mística, a visão prefigurada do céu que santos e poetas imaginam.” (de acordo com Viorst, 2006, p. 196).