Parte 2
O INVERNO: A ESTAÇÃO DAS CRISES
“Se estiver no inverno, seu casamento pode parecer um caso perdido.”
1.1 – Descrição
O inverno é a estação do ano associada ao frio. Nele os dias são mais curtos e as noites mais longas. As nuvens tendem a ficar mais acinzentadas, o vento é forte e sopra gelado em nosso rosto. O Sol brilha, mas aquece a terra com menos intensidade por que seus raios incidem sobre nosso planeta de maneira mais tangencial, o que também faz com esta seja a estação do ano com menos luz. Com a menor incidência do Sol, o inverno produz as temperaturas mais baixas do ano, afetando todos os seres vivos do planeta, inclusive o ser humano.
Hoje sabemos bastante sobre o corpo humano e o funcionamento e papel dos hormônios nos humores e sentimentos das pessoas. O inverno não altera só a natureza, altera também o homem que vive na natureza. Temperaturas baixas, menos Sol, noites mais longas, menor exposição à luz são as principais causas para uma produção mais alta de melatonina, um hormônio produzido pela glândula pineal e que tem relação direta com o sono e o funcionamento dos neurotransmissores. Com alguns estudos que se basearam nestes conhecimentos, descobriu-se que, sazonalmente falando, o inverno é a estação da depressão. É claro que a depressão pode existir o ano inteiro, mas também é verdade que a incidência da depressão é maior no inverno, fato confirmado pelos profissionais da área de saúde mental em todo o planeta.
Numa linguagem mais simples, com menos luz, com menos estímulos visuais multicoloridos, no inverno as coisas ficam muito monocromáticas, e com mais melatonina sendo produzida pelo nosso organismo, o cérebro humano têm a tendência mais acentuada a funcionar de maneira deprimida, o que nada mais é do que um funcionamento cerebral com farol baixo, um funcionamento neurológico com marcha reduzida. Por causa de um funcionamento mais lento, a cama fica mais convidativa, o recolhimento, físico e emocional é mais forte, nossa disposição para a ação e a atividade diminui, e até mesmo vencer aquela “preguiçinha”, que parece mais gostosa no frio, é bem mais difícil. Como constatação de tudo isto basta observar que é neste período que as academias de ginástica esvaziam e as promessas de caminhar “todas as manhãs” evaporam.
Já fiz questão de afirmar aqui sobre o perigo de cairmos no simplismo, e é preciso tomar o cuidado também para não cairmos no biologismo simplista. Nós não somos árvores, somos seres com a capacidade de fazer escolhas... No entanto, por outro lado, tentando encontrar um equilíbrio, não há como ignorar que uma parte do que somos sofre influências e tendências do ambiente em que vivemos. O que é uma pessoa, um ser humano? Uma pessoa é ela mais a soma de todas as suas relações. Nossas relações incluem a natureza. Na antropologia bíblica o homem não é um ser a parte da criação, somos a coroa da criação, mas também fomos feitos do pó da terra e ao pó tornaremos. Temos uma relação indissociável com a natureza. Por isso a criação sofre até hoje o impacto da queda de nossos pais Adão e Eva. O pecado não causou estragos só na nossa vida espiritual, causou estragos também na nossa relação com a natureza: “maldita é a terra por tua causa...”, e “sabemos que toda a criação geme, a um só tempo, e suporta angústias até agora...” (Gen. 3:17 e Rom. 8:22). Esta relação com a natureza é tão profunda, nós somos influenciados pela criação e a criação é influenciada por nós, que o lugar onde passaremos a eternidade é chamado de “novo céu e nova terra” (Apoc. 21:1).
Provérbios nos ensina que o inverno é a época que traz mais dificuldades para o preguiçoso: “O preguiçoso não lavra por causa do inverno” (20:4), ou seja, as dificuldades próprias do tempo frio são sua desculpa para não fazer nada, mas que, na verdade, tais desculpas, apenas revelam um caráter imprudente acerca do futuro e a comodidade de muitas pessoas ante as dificuldades. Preste atenção, por favor, isto tem a ver com o seu casamento: o preguiçoso não lavra por causa do inverno! Champlin (2000, p. 2639), comenta assim este versículo: “O problema real com o preguiçoso é que ele não te coragem para enfrentar o trabalho duro... O tempo frio era junto com a estação chuvosa; esse não era um tempo agradável para alguém pôr-se a arar. O preguiçoso é aquele que negligencia o que é realmente necessário...”. Todos os casamentos passam por dificuldades, e este não é o problema. O problema está nas pessoas que usam as dificuldades como argumento de que não dá para fazer nada. O casamento exige trabalho duro, é preciso arar no inverno, mas os cônjuges preguiçosos não têm coragem para enfrentar o frio, recolhem-se em seus temores e acomodam-se às dificuldades, e assim não consertam o que precisa ser consertado. Quem não arar no inverno do relacionamento, terá pouco a colher do casamento.
O esposo do livro Cantares, sabe das dificuldades desta estação, e por isso canta uma poesia incentivando sua esposa a superar os sintomas do inverno: “Levanta-te, querida minha... e vem. Porque eis que passou o inverno, cessou a chuva e se foi” (Cant. 2:10-11). Se o inverno traz consigo a tendência à inércia, é preciso superá-la; se o inverno convida à acomodação é preciso reagir, por isso o esposo diz “levanta-te”, “vem”, não permita que o inverno perdure mais tempo que o necessário, pois há o grande perigo dele passar de uma fase, que deveria ser passageira, e transformar-se num estilo de vida. Veja como é profunda a Palavra de Deus: “levanta-te”, não fica aí caído; “vem”, saia do lugar onde está e caminha, prossiga; “o inverno passou”, sem esforço não se supera o passado.
1.2 – Sinais do inverno no casamento
Onde queremos chegar com tudo isto? Queremos falar das crises do casamento. Simbolicamente queremos tratar do inverno como sendo a estação das crises. E por muitos casais encontrarem-se em crise é que vamos falar das quatro estações do casamento começando pelo inverno. Se o inverno acontece para todo mundo, é muito importante lembrar que acomodação nunca produz superação. Por isso precisamos olhar para os sinais do inverno no casamento, decididos a entendê-los e superá-los, mantendo a fé em Deus de que eles podem ser superados e não precisam se tornar um estilo da vida conjugal.
Como saber se um casamento está no inverno? É simples: o clima do relacionamento é frio, e os cônjuges, em suas ações, seus comportamentos, terão a tendência a manifestar sentimentos destrutivos. Vejamos, então, os sinais de um casamento com temperaturas baixas, pouca luz e nuvens cinza.
1.2.1 – A comunicação oscila entre o silêncio e a predominância das discussões. Freud, o pai da psicanálise, desenvolveu a teoria de que a cura dos problemas emocionais se dá pela palavra; por isso, todo o psicólogo que se preza, pergunta “você quer falar um pouco mais sobre isto?”, numa tentativa de abrir as portas do diálogo. “As palavras agradáveis são como um favo de mel, são doces para a alma e trazem cura para os ossos” (Pv. 16:24). Ora, se a saúde emocional, se a cura emocional se dá pela palavra, pela fala, pela conversa e troca de palavras agradáveis, é exatamente na ausência destas coisas que está um dos mais evidentes sintomas de um casamento em crise, de um relacionamento no inverno: a comunicação bloqueada.
Chapman (2006, p. 32 e 34), chama nossa atenção para estes sintomas:
“Se você estiver passando pelo inverno no casamento, suas ações terão a tendência de provocar divisão e destruição. Consciente ou inconscientemente, o objetivo delas é magoar seu cônjuge. Palavras ásperas, atos violentos ou afastamento e silêncio são algumas ações do inverno... Fazem-se críticas que ferem ainda mais o relacionamento. O abuso verbal, às vezes, leva ao abuso físico.”
Os irmãos conhecem as três etapas de uma briga no casamento? A primeira etapa é a discussão; a segunda etapa é a gritaria; e a terceira etapa, infelizmente, é o tapa mesmo.
Araújo (1993, p.37) escreveu: “É terrível quando o casal adquire o hábito da discussão. Discutir, queixar-se, reclamar é como gripe, alastra-se para a família. É como praga, como vício. E é um vício que vai dominando sorrateiramente. No começo as pessoas envolvidas estranham, tentam reagir, se incomodam. Daí a pouco estão respondendo irritadamente, revidando, mandando de volta a ofensa.”
É claro, como observado na citação acima, que isto não acontece da noite para o dia, e tão pouco os problemas se revelam da mesma maneira em todos os casamentos. Mas, de forma geral, na maioria dos casamentos que chegaram ao inverno, os problemas de comunicação começaram a aumentar por causa daquela sensação muito incomoda de que as conversas, até mesmo as mais simples, se precipitavam facilmente em discussões, que sempre traziam consigo as agressões. Infelizmente existem casais que não conseguem conversar sem brigar, e todas as brigas terminam não com uma solução, mas com um dando estocadas no outro... Preste atenção, por favor: se um casamento existe para valer, e os dois cônjuges têm direito à personalidade, se os dois têm a liberdade de ser, e um dos dois não é apenas boneco de manipulação do cônjuge que gritar mais auto ou do que tiver a personalidade mais forte, discussões e até mesmo algumas brigas não são capazes de desestabilizar o casamento. Assim como no futebol, no casamento também existe bola dividida, mas sem deslealdade, sem falta... O problema de uma briga não está na “briga em si”, mas quando as pessoas envolvidas não são capazes de terminá-la com um acordo ou solução. Sem uma solução, escancara-se a porta para uma agressão. A maldição está exatamente nisto: deixa-se de atacar os problemas para se atacar as pessoas...
Instalado o programa “discussão” “+” “agressão” no padrão de comunicação do casal, logo em seguida aparece como resultado inevitável a frustração, que só aumenta, pois o casal passa a manter-se dias, semanas, meses, e, alguns, quem sabe, até mesmo anos, apenas com diálogos curtos, muitas vezes monossilábicos, no qual “hum hum”, “sim”, “não”, “paguei” “tá”, “vou”, “pego”, “tchau” são recorrentes. Como “um abismo chama outro abismo” (Sl. 42:7), o silêncio então passa a ser uma opção que substitui a comunicação. Tal silêncio, infelizmente, pode ser uma forma de agressão ou de sobrevivência. Na agressão, o silêncio pode ser usado como um castigo, a arma que fere o outro mostrando seu descontentamento. Na sobrevivência, o silêncio pode ser a bandeira branca da rendição à guerra do inverno, uma triste forma que a pessoa encontrou para sobreviver.
Evitar o conflito usando o silêncio é um erro que só aumenta o conflito, que perpetua o inverno. Leoto (1993, p. 31) escreveu: “Não evite o conflito usando o tratamento do silêncio. Algumas pessoas usam o ‘tratamento do silêncio’ como forma de evitar a controvérsia... o silêncio pode parecer menos doloroso.” Mas há algo ainda pior do que isso, que é o silêncio como forma de ferir, arma perigosa, na maioria das vezes usada pelos homens, até porque as mulheres dificilmente conseguirão ficar sem falar mesmo... Para os homens, gênero que possui mais dificuldades com o universo da comunicação e principalmente da verbalização sentimental, não comunicar também é uma forma de comunicar: no silêncio ele comunica suas mágoas, na retração ele está dizendo, de uma maneira inconsciente, que precisa de ajuda.
Comentando esta característica masculina, Larry Crabb, em seu excelente livro “O Silêncio de Adão”, faz um trabalho de antropologia bíblica acerca dos homens”. Ele pergunta “onde estava Adão quando a Serpente enganou Eva?” E ainda “por que o homem tomou a fruta da árvore proibida e a comeu sem retrucar?” A isto ele responde: “Adão estava ao lado de Eva... O silêncio de Adão é o começo da falha de cada homem... O homem sente-se confortável em situações em que sabe exatamente o que fazer. Quando as coisas ficam confusas suas entranhas se contraem e ele se afasta... Está na hora dos homens recobrarem a voz, de ouvirem a Deus e de falarem.” (1997, p. 8-9). Na cena da queda Eva fala e Adão cala... Portanto, maridos, cuidado com o silêncio! Esposas, se lembrem que seus maridos tem mais dificuldades em colocar seus sentimentos para fora!
O que a Palavra de Deus nos ensina sobre os problemas da comunicação no inverno? Quero que você preste atenção em alguns versículos do livro de Provérbios. Vejamos: “Há palavras que ferem como espada, mas a língua dos sábios traz a cura” (12:18); os ferimentos de espada eram sempre para matar. Espada, batalha, ferimentos e morte são figuras aqui associadas à língua, uma arma com a qual não se brinca, porque quem brinca com uma arma acaba se ferindo ou se matando, quem não toma cuidado com a língua pode ferir e até matar os sentimentos e o amor conjugal. “A resposta calma desvia fúria, mas a palavra ríspida desperta a ira” (15:1); “ríspido” é “áspero”, “severo”, “intratável”, coisas que podem se esconder na ironia, no sarcasmo, até mesmo no humor fora de hora, ou ainda numa simples mudança de entonação na voz. “A língua tem poder sobre a vida e sobre a morte” (18:21); meus irmãos, é tão grande o poder da comunicação que a Bíblia a compara a duas coisas simples, básicas, quase sem nenhuma importância: vida e morte. As palavras de afirmação, apoio, elogio e incentivo são muito raras quando um casamento está no inverno. Se nos diálogos com seu cônjuge você não tem falado e ouvido palavras de vida, a coisa está feia e fria... John e Betty Drescher, conselheiros matrimonias por mais de cinqüenta anos, certa vez disseram que “a comunicação é o que está na base de noventa por cento dos problemas no casamento”. Se um casamento vai sobreviver ou vai morrer durante o inverno, isto vai depender de como o casal vai procurar resolver os problemas da comunicação bloqueada.
Continuaremos O Inverno estação das crises, daqui quinze dias.